É descabido o arbitramento de aluguel em desfavor da mulher vítima de violência doméstica que, após o divórcio, permanece na posse exclusiva de bem imóvel do ex-casal e reside com a prole comum após o afastamento do cônjuge ou companheiro da residência familiar em razão de medida protetiva de urgência, pois não se configura enriquecimento sem causa ou vantagem do ex-cônjuge que permanece no imóvel.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/6/2025, DJEN 9/6/2025. Posse de imóvel comum. Dissolução do vínculo conjugal. Moradia da prole comum. Vítima de violência doméstica e familiar. Arbitramento de aluguel. Descabimento. Ausência de enriquecimento sem causa.

8/20/20253 min read

A questão controvertida reside em decidir se é cabível arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo de bem imóvel comum, em razão do divórcio dos proprietários, considerando-se que: (I) o uso exclusivo do bem é realizado por vítima de violência doméstica; (II) residem no imóvel mãe e filha, sendo esta atualmente adolescente; e (III) mãe e filha são hipossuficientes.

No julgamento do REsp 1.250.362/RS, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que, na separação e no divórcio, sob pena de gerar enriquecimento sem causa, o fato de um dos cônjuges deter a posse exclusiva de bem imóvel comum dá direito, ao outro, ao recebimento de indenização, ainda que pendente a partilha dos bens.

O direito à indenização pelo uso exclusivo de bem comum em razão do rompimento de vínculo conjugal está assentado, especialmente, na premissa de que o uso do imóvel comum com exclusividade por um dos cônjuges impede ao outro a fruição do bem, havendo situação de enriquecimento sem causa.

Há hipóteses, entretanto, que não se verifica qualquer vantagem daquele que está no uso e gozo do bem comum, em detrimento do outro. Em tais situações, não há que se falar em indenização, uma vez que não há enriquecimento sem causa.

Partindo-se do pressuposto de que o fundamento da indenização está assentado especialmente no fato de ex-cônjuge usar do bem comum com exclusividade, é forçoso concluir que, se o ex-cônjuge reside no bem em conjunto com a prole comum do casal, não há posse exclusiva. Nesse caso, há proveito indireto do ex-cônjuge impossibilitado de usufruir o bem, na medida em que proverá, aos filhos, o direito à moradia digna. A utilização do bem pelos filhos dos coproprietários beneficia a ambos, não se configurando enriquecimento sem causa.

Sob esta mesma ótica, o arbitramento de aluguéis pelo uso de bem imóvel comum por ex-cônjuge deverá sopesar a situação de maior vulnerabilidade que acomete o genitor encarregado dos cuidados com os filhos. A experiência mostra que, em geral, o cuidado com a prole é realizado em grande parte pelo genitor que com os filhos reside, sendo um trabalho, muitas vezes, invisível. Ainda que o genitor que não reside com os filhos cumpra com a prestação alimentícia, diversos gastos são despendidos pelo cuidador, para além de financeiros: entram na conta, também, o custo do tempo e do cuidado para com os filhos, trabalho este não remunerado, mas que coloca o cuidador em uma certa posição de vulnerabilidade.

Na hipótese de medida protetiva de urgência que determina o afastamento do cônjuge ou companheiro da residência familiar, a imposição de obrigação pecuniária consistente em aluguel em razão do uso exclusivo do imóvel pela mulher vai de encontro à proteção inerente à própria medida cautelar.

A imposição judicial de uma medida protetiva de urgência que determina o afastamento cautelar do cônjuge agressor não importa em qualquer vantagem à mulher que permanece no imóvel. Ao contrário, objetiva a proteção da vítima pelo Estado, que, no contexto social ainda hoje vivenciado, continua sofrendo discriminações, humilhações e violências físicas e psicológicas no seio da estrutura familiar.

Logo, o afastamento do cônjuge ou companheiro da residência familiar em razão de medida protetiva de urgência não configura enriquecimento ou vantagem daquele ou daquela que permanece no imóvel.

É, portanto, descabido o arbitramento de aluguel em desfavor da mulher vítima de violência doméstica que permanece na posse exclusiva de bem imóvel comum.

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