É ilícita a realização de buscas domiciliares coletivas, generalizadas e indiscriminadas, por meio de "varreduras" de várias residências existentes nas proximidades do local da abordagem policial, uma vez que a vedação à pesca probatória (fishing expeditions), decorrente do art. 243, I, do CPP, também deve ser aplicada à busca domiciliar não precedida de mandado.

8/7/20254 min read

O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).

É necessário, portanto, que as fundadas razões quanto à existência de situação flagrancial sejam anteriores à entrada na casa, ainda que essas justificativas sejam exteriorizadas posteriormente no processo. É dizer, não se admite que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida.

A ausência de justificativas e de elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativamente à ocorrência de tráfico de drogas, pode acabar esvaziando o próprio direito à privacidade e à inviolabilidade de sua condição fundamental.

Depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, imbuído da sua missão constitucional de interpretar a legislação federal, passou - sobretudo a partir do julgamento do REsp 1.574.681/RS (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 30/5/2017) - a tentar dar concretude à expressão "fundadas razões", por se tratar de expressão extraída pelo STF do art. 240, § 1º, do CPP.

Assim, dentro dos limites definidos pela Carta Magna e pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça vem empreendendo esforços para interpretar o art. 240, § 1º, do CPP e, em cada caso, decidir sobre a existência (ou não) de elementos prévios e concretos que amparem a diligência policial e configurem fundadas razões quanto à prática de crime no interior do imóvel.

No caso, policiais estavam em patrulhamento na região conhecida como "favela do coruja" quando avistaram o paciente e outro indivíduo. Diante da aproximação policial, os dois tentaram empreender fuga e, por essa razão, foram revistados. Com o acusado foi encontrada certa quantia em dinheiro e com o outro indivíduo nada foi encontrado. O réu supostamente haveria confessado em caráter informal que o dinheiro era advindo do tráfico ("recolha da biqueira").

Em seguida, os policiais entraram na viela e promoveram "averiguação pelos barracos próximos", ou seja, fizeram uma "varredura na viela atrás das drogas". Durante essa diligência, "no interior de um 'barraco' com a porta encostada", encontraram as porções de droga descritas na denúncia.

Nota-se, portanto, que a busca pessoal inicialmente empreendida pelos policiais foi válida, tendo em vista que a tentativa de fuga é motivo idôneo para a abordagem policial, conforme entendimento da Terceira Seção deste Tribunal (HC n. 877.943/MS, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 18/4/2024).

Todavia, não há permissivo ou fundamento legal para que os policiais promovessem varredura nos "barracos próximos".

A saber, a apreensão de dinheiro em espécie com o denunciado em via pública não autoriza, por si só, a realização de buscas generalizadas e coletivas em todas as residências das proximidades do local da abordagem.

O ingresso em domicílio depende de fundadas razões de flagrante delito dentro de residência previamente identificada ou da prévia obtenção de mandado judicial relacionado a uma residência devidamente identificada, do que não se tem notícia nos autos. Se após uma busca pessoal em via pública há a apreensão de corpo de delito, o ingresso em domicílio do indivíduo revistado pressupõe indícios prévios da existência de mais objetos ilícitos dentro do lar, isto é, depende de indicativo concreto de que a sua casa está sendo usada de base para a prática do tráfico em via pública naquele momento.

Ao normatizar a expedição de mandado judicial de busca domiciliar, o art. 243, I, do CPP exige que nele se indique, "o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem".

Dessa forma, nem mesmo por ordem judicial é possível a realização de buscas coletivas, é dizer, de "varreduras" de várias residências de uma região, tendo em vista que é obrigatório que conste do mandado judicial de busca o endereço particularizado em que a diligência deverá ser cumprida (CPP, art. 243, I).

Tal exigência implica a vedação à expedição de mandados coletivos de busca domiciliar, a saber, para o ingresso em todas as casas de determinada região, indistintamente.

Logo, essa vedação a buscas domiciliares generalizadas e indiscriminadas - verdadeiras fishing expeditions -, decorrente do art. 243, I, do CPP, deve ser aplicada, também, à busca domiciliar não precedida de mandado, que não pode ser executada coletivamente.

Afinal, se nem a uma autoridade judicial é permitido autorizar devassa domiciliar coletiva, com ainda mais razão é vedado que medida desse tipo seja diretamente executada pelo próprio policial, a saber, em caráter autoexecutório.

Inviável, por isso, que a polícia, sem mandado, ingresse em domicílios indeterminados à procura de drogas - algo que, desde 1941, nem mesmo um juiz pode validamente autorizar.

Assim, embora a busca pessoal haja sido lícita em razão da tentativa de fuga, foi ilícito o ingresso subsequente em todos os domicílios existentes nas proximidades do local da abordagem, pois inviável a execução de varredura domiciliar coletiva e indiscriminada. Consequentemente, são ilícitas as provas derivadas dessa diligência.

REsp 2.090.901-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 1/4/2025, DJEN 7/4/2025.

Informações Adicionais

Legislação

Constituição Federal, art. 5º, XI;

Código de Processo Penal (CPP), art. 240, § 1º e art. 243, I.

Precedentes Qualificados

Tema n. 280/STF

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