O fato de o apenado ser assistido pela Defensoria Pública robustece a presunção de sua hipossuficiência, ao corroborar o prognóstico acerca da sua conjuntura socioeconômica, sendo tal circunstância apta a justificar a declaração de extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da reprimenda, não obstante o inadimplemento da pena de multa.
8/7/20254 min read


O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe 10/9/2015 - Tema 931), assentou a tese de que "nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".
Entretanto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. (ADI 3.150, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. para acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170 divulg. 5/8/2019 public. 6/8/2019).
Após o julgamento da referida ação constitucional, foi dada nova redação ao art. 51 do Código Penal, alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.964/2019, passando o dispositivo legal a estabelecer que, "transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição".
Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa sofrida pelo artigo 51 do Código Penal, o Superior Tribunal de Justiça, reviu a tese anteriormente aventada no Tema 931, para assentar que, "na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".
Essa já era a compreensão adotada pelo STF acerca da primazia das penas pecuniárias quanto aos delitos compreendidos no âmbito da criminalidade econômica. Percebe-se ser manifesto o endereçamento prioritário da decisão proferida na ADI 3.150/DF àqueles condenados por crimes de colarinho branco, que possuem condições financeiras de adimplir com a satisfação da pena pecuniária, de modo que o seu não pagamento constitui deliberado descumprimento de decisão judicial e implica sensação de impunidade.
Por tal razão, em nova apreciação da matéria, esta Corte reviu o entendimento consolidado no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP - Tema 931 (Rel. Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe 21/9/2021), assentando a seguinte tese: "na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".
Ocorre que a necessidade de prévio e minucioso exame das condições econômico-financeiras do reeducando angariou novos contornos a partir da recente compreensão da Terceira Seção desta Corte acerca do Tema 931. Em tal oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento segundo o qual, "[o] inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária" (REsp 2.024.901/SP, Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe de 1/3/2024.).
É importante salientar que a imposição de barreiras ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos condenados notoriamente pobres frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, e contradiz a inferência lógica do princípio isonômico (art. 5º, caput, da Constituição Federal), segundo o qual desiguais devem ser tratados de forma desigual.
Não se desconhece a compreensão segundo a qual "[n]em todos os processados criminalmente, patrocinados pela Defensoria Pública, são hipossuficientes. No direito penal, é obrigatória a assistência jurídica integral ao réu, mesmo que ele tenha condições financeiras de contratar advogado particular, mas opte por não fazê-lo" (HC 672.632, DJe de 15/06/2021).
Todavia, nos termos do entendimento consolidado no Recurso Especial Repetitivo n. 2.024.901/SP, a hipossuficiência do apenado é passível de presunção, de modo que a assistência pela Defensoria Pública, em verdade, corrobora o prognóstico acerca da conjuntura socioeconômica do apenado. De toda sorte, é oportuno salientar que tal presunção se caracteriza por sua natureza iuris tantum, comportando a apresentação de prova em contrário pelo Parquet, bem como sua elisão, a partir de fundamentada decisão judicial.
A esse respeito, aliás, o Superior Tribunal de Justiça referendou o transbordamento da sedimentada compreensão acerca da presunção de hipossuficiência ao exame do adimplemento da multa em caso de progressão de regime. Na oportunidade, preservou-se a higidez de acórdão em que "[o] Tribunal de origem manteve a decisão que concedera a progressão de regime ao recorrido, à míngua do pagamento de multa, por entender que a autodeclaração de hipossuficiência e o fato de o apenado ser assistido pela Defensoria Pública são elementos aptos a comprovar a sua incapacidade financeira" (AgRg no REsp 2.118.258/RO, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 15/5/2024).
Dessa forma, no caso, a presunção de hipossuficiência do apenado foi robustecida pelo exercício de sua defesa técnica pela Defensoria Pública estadual, o que confere legalidade à declaração de extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da reprimenda, não obstante o inadimplemento da pena de multa.
AgRg no REsp 2.139.228-MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 13/5/2025, DJEN 6/6/2025.
Informações Adicionais
Legislação
Constituição Federal, art. 5º, caput;
Código Penal, art. 51;
Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984), art. 1º.
Precedentes Qualificados
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150